Colcha de Retalhos

"O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa." Holderlin

Textos

PEQUENO FRASCO DE PERFUME
“A verdadeira viagem se faz na memória.”
Marcel Proust

Um pequeno frasco de perfume... Quase memória, o transparente vidro permeia os instantes passados e guarda a essência da fragrância num simbólico presente. Um espelho invisível que transluz o olor do espírito numa face embaçada de realidades, o desejo redescoberto no seu significado mais entranhado, a luz de um olhar virginal num continente marcado por desertos e oceanos.

Com uma inspiração goethiana, ele partiu numa ponte entre ocidente e oriente e deixou a mulher nostálgica com o olhar próprio dos amantes distantes. Seu cheiro foi guardado como vestígios do corpo, dos pensamentos compartilhados, das confissões... Desejo de voltar no tempo e construir o futuro numa conjugação pretérita. Parte de si permaneceu acalentada nos sonhos e se recriou num universo de portos a serem percorridos.

Uma fragrância, um símbolo que represa, na alma, as sensações restauradas na linha dos olhos guardados num horizonte encontrado entre céus e terras, no sorriso que desperta na face ao amanhecer do sonho, no corpo trêmulo no turbilhão de descobertas, na distração equilibrada nos precipícios da alma...

A mulher é eleita guardiã do místico presente. Com o amuleto, aventura-se no tempo e transporta-se para os instantes delineados nas boas novas. Abandona-se às horas numa pluralidade de recordações. Surgem enigmas e símbolos... O outro é um segredo que se vela e desvela, fecha-se como uma poderosa serpente mantendo o elo das forças do destino, desfolha-se frágil como um primaveril botão nas possibilidades no caminho dos acasos.

Entreaberto, o pequeno frasco liberta a música, as palavras, o encantamento, reconstrói o mundo num cenário à luz de velas com o erotismo do vir a ser de mil e uma noites. Sussurros são substantivos que buscam os verbos para dar vida aos adjetivos. O elixir concebe a imagem da entrega tímida e projeta-a no corpo ardente que almeja o reencontro. Lança ao vento as palpitações e os silêncios. Ilumina breus de esquecimentos na impregnada essência de uma releitura necessária aos sonhos.

A mulher guarda o pequeno frasco isolado do mundo profano e, como se estivesse num ritual, ilumina-o com os olhos da recordação. Embriagada com a magia da paixão, a alma alimenta a esperança com os versos de um poema repleto de exclamações enquanto o corpo ressuscita com a memória sacralizada do encontro.
Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 08/08/2006
Alterado em 11/08/2006


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